A potência transformadora das mulheres pulsa em nosso cotidiano, nos impulsiona a lançar o olhar e a atenção para suas trajetórias de vida, para que respeitosamente possamos pedir licença para nos APROXIMAR, abrir ouvidos e corações para CONHECER suas memórias e suas histórias. Mulheres plurais que plantaram e plantam sementes, cuidam do broto, colhem as flores da luta e que no alinhavo das costuras, bordam as resistências do cotidiano. Nosso intento é ECOAR a força das resistências cotidianas dessas mulheres, visibilizar a memória de suas lutas e principalmente o sonho que cada uma anuncia, para que coletivamente possamos RESISTIR.

Consideramos a arte um importante meio de expressão mas também um veículo de transformação social. Acreditamos que através da arte criamos abertura para chegar, estar, ouvir e vivenciar a realidade junto aos sujeitos da ação, no chão concreto de suas realidades. Por isso, o projeto Resistências do cotidiano julga como necessária a vivência e a pesquisa para qualificar nossa ação, mas principalmente conhecer para respeitar.

O processo criativo do projeto exigiu a continuidade da pesquisa sobre os ciclos de violência contra as mulheres. Nossa bagagem enquanto mulheres, artistas e mobilizadoras sociais, facilitou essa pesquisa. Entendemos que a nossa vivência em outros projetos desde 2010 ajudou a direcionar nossa ação, respeitando as questões de gênero mas sobretudo as questões étnico-raciais. 

Nossa pesquisa recente contou com o diálogo com mulheres referências em movimentos sociais e setores progressistas que pautam a vida das mulheres em suas ações, além da apropriação de estudos e bibliografias. Consideramos importante ouvir as mulheres a partir de suas experiências concretas, são diálogos essenciais no processo criativo para efetivação da proposta. 

Resistência não é um conceito monolítico, suas manifestações são plurais e surgem em todo lugar nas relações de poder. O projeto destaca a necessidade de ampliar o olhar quando nos referimos a algum “ato de resistência” e convida o participante a olhar e identificar as resistências construídas no cotidiano da vida, das estratégias pensadas por mulheres que encontram pequenas brechas para subverter a ordem e os condicionamentos sociais destinados a elas. 

Historicamente as mulheres foram subjugadas e tratadas como seres inferiores. Essa relação de poder e opressão é ainda potencializada quando interseccionamos raça, classe e pautas identitárias de diversidade sexual. 

O projeto possui relevância histórico e social por levar em consideração questões apontadas anteriormente e por pautar a necessidade de coletivamente alterarmos cenários de opressão e exclusão a fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas, principalmente aquelas excluídas sistematicamente. Acreditamos que a arte é possibilidade para conversar sobre essas questões para tomada de consciência que exige alterar a cultura que violenta e mata para um cultura de bem viver.

Ocupar espaços de liderança, ser referência de luta, realizar trocas potentes e inspiradoras: os pontos de partida do projeto derivam diretamente da noção de vivência e ocupação. A escolha das linguagens documentário e arte urbana vêm ao encontro desses norteadores. 

Vivemos em uma sociedade midiática onde a imagem é imperativa em nosso cotidiano. A imagem em movimento ganha cada vez mais espaço, até redes sociais específicas. Assim, o documentário produzido por uma equipe composta apenas por mulheres, onde dona Artina Maria protagoniza a narrativa de sua própria luta, aproxima olhares de espectadores e ecoa seus aprendizados tão potentes. Ocupar o virtual permite que muitas realidades interajam.

A arte urbana traz em seu histórico de ocupações das ruas a potência das lutas e movimentos sociais. A arte tem não só o poder de narrar tais fatos, como de expandir histórias, aumentar alcances e possibilidades. Tanto o stencil quanto o lambe lambe propõem sua propagação pela repetição de um mesmo estilo, conteúdo, valor implícito. O retrato, em stencil, de uma mulher que é símbolo de força tem uma potência estética que transcende àquele objeto. Os lambe lambes criados à partir das frases que mobilizaram sua luta, mobilizam as nossas e tantas mais onde o limite é o alcance da própria arte.

Parte #01 ARTINA MARIA: “E continuo ajudando a mulherada aí que precisa”​

Resist_Cotidiano_Artina

No intento de ECOAR as resistências do cotidiano de mulheres plurais, iniciamos o projeto juntamente com a Dona Artina, que nos recebeu de forma acolhedora e possibilitou conhecermos sua história e suas lutas cotidianas. 

Dona Artina Maria nasceu em Marília no ano de 1970 e é considerada símbolo da Lei Maria da Penha na cidade. Ela fez o enfrentamento e rompeu os ciclos de violência física e psicológica que sofria, desde então, é referência para outras mulheres que estão na luta enfrentando as violências diárias.

Ela se orgulha em poder ajudar outras mulheres por meio da sua história de resistência. Além da partilha de vida e acolhimento, ela recebe doações de roupas, brinquedos e móveis para destinar à mulheres e crianças em que necessitam.

Sua potência transformadora questiona e rompe com os estereótipos de passividade atribuídos a nós mulheres e impulsiona muitas outras a buscarem uma vida melhor, a não perderem a esperança e nunca desistirem de seus sonhos.

A primeira parte do projeto foi a idealização, produção e execução de um documentário sobre a vida da ARTINA MARIA. Um relato emocionante que nos inspira a continuar buscando estratégias de resistências no nosso cotidiano. Acesse o documentário e inspire-se:

O lançamento foi marcado por uma conversa afetuosa no quintal da dona Artina, na zona sul do município de Marília. Além dos diálogos e construção coletiva da discussão que pautou o enfrentamento aos ciclos de violência contra as mulheres, foi confeccionado um mural de graffite com o retrato da dona Artina e uma intervenção de lambe – lambe com as principais frases dita por ela no documentário.

Também tivemos oportunidade de partilhar o projeto Resistências do Cotidiano em Lins/SP através da exibição do documentário e roda de conversa, compondo a programação do Mês da Mulher, organizado pelo Coletivo Somos. Foi um momento muito importante com partilhas impactantes sobre a realidade das mulheres, as resistências tecidas por cada uma delas e os enfrentamentos realizados ao longo de suas vidas.

Outro espaço que recebeu a intervenção com grafitte do retrato da Dona Artina foi a estação cultural. Um espaço ocupado pelo movimento social do município de Marília onde são realizados diversas ações culturais envolvendo o hip-hop, literatura, meio ambiente e geração de renda.

A proposta é que possamos ecoar as resistências do cotidiano de outras mulheres do nosso município. São inúmeras pessoas com ações inspiradoras e que merecem ter suas histórias de vida ainda mais re – conhecidas e valorizadas. Nosso desejo é que em breve possamos lançar várias edições desta iniciativa que impulsiona muita gente a continuar construindo outro mundo possível.

Ao longo desses anos de lançamento do projeto, recebemos doação de roupas que foram repassadas para a Dona Artina, no qual distribuiu para mulheres em vulnerabilidade social. As doações continuam, se desejarem realizar doações de roupas, brinquedos ou itens de higiene pessoal, envie-nos uma mensagem que vamos até você.

O projeto Resistências do Cotidiano parte I foi contemplado em 1º lugar no Edital de premiação “Sergio Ricardo” de Projetos Culturais, realizado pela Secretaria de Cultura de Marília/SP com recursos da Lei Aldir Blanc em 2020.
A premiação abrangeu múltiplas linguagens artísticas e culturais, premiando 22 projetos já realizados no município de Marília por artistas e/ou grupos ou coletivos sediados no município, mediante comprovação de realização dos projetos, obras e espetáculos.

Jaque Alves

Mediação com as mulheres, direção do documentário e concepção teórica do projeto.

Patrícia França

Videomaker responsável pela pós-produção audiovisual do documentário.

Paula Mello

Colaboradora de linguagens: audiovisual e arte urbana. Direção de fotografia do documentário.

Yasmin Alves

Artista Visual responsável pela identidade visual e demais artes do projeto, incluindo stencil e lambe – lambe.