Em 2021 o Estúdio Nosotras foi contemplado no Edital do PROAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo com o projeto AquarEllas.

A proposta do projeto é propor a discussão sobre  a importância de superarmos o olhar de passividade direcionado às mulheres – no qual reduz sua presença como mero objeto de inspiração e muitas vezes retratando-as de forma pejorativa e superficial – e retomar o protagonismo feminino e potência de mulheres artistas utilizando como ferramenta a Arte Urbana.

AquarEllas pretende fazer memória e homenagear artistas e agentes culturais do estado de São Paulo. São inúmeras mulheres inspiradoras em diversos segmentos como a literatura, as artes visuais, a música e o circo-teatro, artistas que movimentam o cenário cultural paulista, com grande contribuição na luta de pautas identitárias e de grupos sistematicamente oprimidos, que utilizam a arte como ferramenta de expressão e transformação da realidade.

Conheça as mulheres homenageadas:

Cassandra Rios

Escritora lésbica que abordava o tema da lesbianidade em seus livros, foi a primeira autora brasileira a atingir a marca de um milhão de livros vendidos, ao passo que foi a autora mais censurada durante o período da ditadura militar.

Era o pseudônimo de Odete Rios, que nasceu em 1932 na cidade de São Paulo, considerada pioneira na literatura lésbica, publicou seu primeiro livro, de maneira independente, pois foi rejeitado pelas editoras da cidade, ainda na adolescência aos 16 anos intitulado “Volúpia do Pecado” que conta a história de duas jovens lésbicas, conteúdo pelo qual Cassandra Rios é reconhecida. Mesmo com os empecilhos e censura, o livro vendeu milhares de cópias, fazendo o nome Cassandra Rios repercutir na literatura brasileira da época.

Escritora muito censurada e perseguida na ditadura militar, por conta do teor subversivo, erótico e homossexual de suas obras, foi recordista nos vetos pelos censores, que alegavam contrariar a “moral e aos bons costumes”.

Algo que é notável não só para aquela época é que Cassandra Rios colocava em foco duas pautas, gênero e sexualidade, evidenciava a questão da mulher lésbica, esta como protagonista e senhora de si, legitimando seu direito de amar, de ser quem é e estar onde quiser, este combo contraventor fez com que cerca de 40 de suas obras fossem censuradas, denotando quão reveladoras e libertadoras são seus escritos. Por ser mulher e lésbica sofreu dupla opressão, com o machismo e lesbofobia buscando silenciá-la e não reconhecer sua literatura, chamando-a de escritora maldita, mas para nós além de bendita é bem lida, que no auge da década de 1970 vendeu milhares de livros superando diversos autores conhecidos.

Contrariando a escrita heteronormativa, Rios em suas obras retrata situações de preconceitos, de autoaceitação, manifestação e legitimação do amor homoafetivo. Fazia na ficção um retrato da realidade almejando uma transformação, colocando a identidade lésbica como um norte e uma fundamentação.

O machismo se torna mais explícito e perceptivo quando a autora adota pseudônimos masculinos e estrangeiros, Oliver Rivers e Clarence Rivier, quando a censura se faz menos presente, com isso seus livros adquirem maior amplitude, visto que Cassandra estava sofrendo intensa perseguição.

Cassandra Rios falece aos 69 anos no dia 8 de março de 2002, deixando o legado de luta e resistência de uma escritora lésbica que levantava e defendia sua bandeira em sua literatura.

Crica Monteiro

Mulher negra, graffiteira, artista multimídia, ilustradora e designer, tem a mulher negra como referência em suas artes.

Crica Monteiro, designer, ilustradora, criadora e grafiteira iniciou no mundo da arte muito cedo, por influência de sua mãe, professora de arte e logo se encantou pelo graffiti. Seu trabalho de grande destaque foi no projeto ” Tarsila inspira” com o mural “Preta Rainha”, ressignificando a obra original, agora a escrava passa a ser rainha, enfatizando o protagonismo da mulher negra, que é uma de suas bandeiras. 

Crica enfrentou machismo dentro de seu segmento artístico, pois mesmo o graffiti tendo em si uma criticidade às normas, tem uma grande parcela masculina, que reproduz o machismo, por isso a importância de ter mulheres grafiteiras, falar de nós, por nós e para nós, para sermos contempladas, representadas, ouvidas e vistas. Crica coloca seus ideais e reivindicações em sua arte.

 Fundadora do “Graffiti Mulher Cultura de Rua”, um grupo nas redes sociais, este nasceu da inquietação pela opressão de gênero no graffiti, cujo objetivo é trocar experiências e mostrar seus trabalhos, tendo apoio e reconhecimento. Pois por conta do machismo muitas mulheres duvidam de seus potenciais, são silenciadas, invisibilizadas e ter essa rede de apoio é fundamental, para o incentivo, disseminação de seus trabalhos e fortalecimento da categoria.  É mais uma vez o graffiti sendo instrumento de luta, identidade e resistência.

Crica nos mostra o poder transformador da arte, a importância da identidade e representatividade, como mulheres negras são incríveis, mesmo que a realidade de um mundo machista e racista tentem nos tornar invisíveis. A potencialidade da arte está em seu alcance, por isso o graffiti ser uma ferramenta de luta, ele está nas ruas, contemplando ideias e difundindo ideais, dando visibilidade e voz àqueles e àquelas que são marginalizadas, invisibilizadas  e silenciadas. O que Crica nos evidencia é que a arte tem que ser exposta, e questiona o que se expõe, quais pessoas estão sendo valorizadas em suas artes e o que estas pessoas estão expressando?  A arte é para todas, todes e todos, é para refletir e transformar o mundo e o graffiti tem esse caráter de popularizar a arte, dar voz e visibilidade, esse bem cultural que não deve ficar restrito às elites e às galerias, que a mensagem esteja sendo colocada e vista. Crica consegue transcrever em tinta e spray quem são as rainhas e protagonistas de suas histórias. Ao Ruth de Souza e Maria Carolina de Jesus entre outras mulheres em sua arte, Crica nos mostra para quê e para quem sua arte e seu trabalho está direcionado, contemplando mulheres que fazem parte de nossa história e assim apresentando e representando a todas nós. 

Crica que participou e participa de projetos e festivais nos mostra como o graffiti é um instrumento de luta, resistência e popularização da arte, pois a arte é do povo! Enquanto mulher negra levanta sua bandeira em defesa e de sua categoria expressa em sua arte seus ideais, militância e resgate da ancestralidade.

Lua Barbosa

Artista circense e produtora cultural do interior do Estado de São Paulo, foi assassinada pela polícia militar e virou símbolo da pauta contra a violência do Estado.

Lua Barbosa, atriz, produtora cultural, professora, palhaça e malabarista. Sua arte inspira, mobiliza e toca as pessoas. Não foi um tiro certeiro, disparado, não acidental e sim intencional, que tirou seu brilho e nem apagou sua história. Mesmo com seu assassinato Lua continuou dando seu recado. Seus trabalhos e ações além de fazer brotar o riso também trazia uma crítica social, contra opressões, censuras e agruras.

Natural de Rancharia fez de Prudente sua moradia, ali criou raízes, elaborou projetos e fundou companhia, integrou a Federação Prudentina de Teatro e Artes Integradas, em seu pouco tempo de vida trilhou uma grande caminhada.

Lua brilhava com a arte de rua e lutava pelo direito e acesso a essa cultura.  Na palhaçaria sua sátira permeada por questões políticas e sociais, mostrava que a arte é do povo e para o povo. A arte não pode ser privada e nem a população ser limitada de participar, o povo há de contemplar e gozar. Se o espaço é público deve ser ocupado e não cerceado.

Foi professora se fez referência para adultos e crianças, ensinando a arte do interpretar, se expressar e manifestar.

Como malabarista brincava se jogando para lá e apara cá, com suas mãos girando bolas de contato como quem equilibra um mundo desequilibrado, a esfera no ar parecia flutuar….nas pernas de pau, lá perto do céu, Lua firmava seu chão, na praça, na rua a casa é sua e todo mundo pode entrar.

Fazia de sua voz e corpo instrumentos para expressar alegrias e lamentos. no projeto mamulengo, foi uma das fundadoras do grupo “Mamulengo Rasga Estrada”, Lua também colocou suas mãos para trabalhar, confeccionando bonecos para em sua barraca rasgar a estrada, viu no mamulengo muito do que já fazia, a partir do riso refletir, satirizando a vida em arte, como o gargalhar pode criticar, é possibilitar que em meio ao sofrimento existe um acalento, mostrando para o público que nós estamos juntos.

 Assim como a lua tem várias fases, Lua Barbosa era multifacetada, interpretava, se equilibrava, ensinava, tocava alfaia e cultivava risadas, êta mulher arretada! Mas no meio de sua estrada havia uma bala, que marcou sua morte de repente em uma parada, porém Lua continua presente. Mobilizou manifestação, tem seu nome em Galpão e nos deixou uma grande questão: “Quem polícia a polícia? Quem vigia os vigias? ”

Lyryca Cunha

Artivista, indígena em retomada, rapper, compositora, psicóloga idealizadora do projeto O Não-Lugar.

Lyryca Cunha é artivista, MC, professora, psicóloga, agente de cultura e indígena em retomada. Sua trajetória perpassa um vasto percurso de luta, resistência e busca não só de reconhecimento, mas principalmente por pertencimento, tudo o que viveu lhe fortaleceu. A cada passo de sua caminhada abre novos caminhos, abre olhos e move moinhos, sempre em movimento aproveitando cada momento para ser e estar, para suas vivências e ideologias manifestar. 

Da periferia do Grajaú até chegar em Marília, Lyryca demarcou longa trilha, cantando do oriente até o sul, nos mostra que memória e ancestralidade nos faz viajar no espaço e tempo, o presente não é só um momento e o passado não pode ser apagado. No hip hop encontrou ferramentas para lutar, em suas palavras: “Hip hop é transformação e salvação”, articulando ideias para se manifestar, resistir e enfrentar, com a música, pessoas, espaços, sentimentos e memórias acessar. Com o movimento hip hop a inquietação de Lyryca em relação a sua ancestralidade ficou mais potente e ao lado de sua mãe iniciou a busca por seus parentes.

Em suas músicas e falas a ancestralidade é ponto de partida, de caminho e de chegada. Indígena em retomada, com o projeto “O Não-Lugar”, que se constrói por meio de narrativas de indígenas em processo de retomada, um espaço para se encontrar, conhecer e se reconectar, mostrar o sentido e valor do pertencimento aos povos originários e retomar os saberes ancestrais. Esse fortalecimento é fundamental tendo em vista a sociedade etnocída em que vivemos, que busca de diversas formas apagar, silenciar e exterminar a população indígena, não somente com a violência física, mas com seus estigmas, o que evidencia, por exemplo, o não reconhecimento social de indígenas em contexto urbano, essa visão racista acha que indígena não usa pano, “O Não-Lugar” mostra o engano. Outro ponto da questão é que não será branco que dirá sim ou não, o indígena não depende de sua aprovação. Para decolonizar, como Lyryca diz, é preciso extrapolar, portas e portões arrombar, é confrontar o sistema e sua identidade firmar, pois para um caminho se abrir muros hão de ruir. 

Retomar a origem de sua existência é viver sua presença, a busca do eu se encontra em nós. Lyryca canta sobre a força da união, que sozinho ninguém vive e por isso o compromisso é coletivo. Retomar os saberes originários, não é apenas conhecer histórias, resgatar memórias, mas também aprender a enxergar o mundo e as pessoas a partir de uma outra ótica, contrária do olhar colonizador, castrador e limitado que foi sistematicamente se consolidando por diversos meios, como o Estado e suas instituições e ideologias genocidas.

Lyryca nos fala sobre a importância da arte e literatura indígena, são indígenas falando por e para si, ser protagonista, se reconhecendo e sendo representado. Reparação é demarcação, é ter garantido direito a sua identidade, é respeitar a ancestralidade e espiritualidade.

Ruth Guimarães

Mulher negra, caipira, poeta, foi estudiosa e autora da cultura popular, principalmente do folclore brasileiro e foi uma das primeiras escritoras negras a ocupar espaço no cenário da literatura nacional.

Nasceu dia 13 de junho de 1920 em Cachoeira Paulista, foi poeta, romancista, contista, cronista, jornalista, teatróloga, tradutora e pesquisadora da literatura brasileira, atribuía grande valor à cultura oral, foi também professora, lecionou por mais de 30 anos na rede pública de São Paulo e foi secretária de cultura de Cruzeiro e Cachoeira Paulista.

Ruth iniciou sua vida de escritora muito cedo, na infância já publicava seus poemas em jornais. Anos mais tarde cursou filosofia e letras e estudou folclore, este muito presente em sua literatura. Foi com seu romance “Água funda” que a autora recebeu notoriedade.

Assim reivindicava a presença da literatura brasileira nas escolas e entre as famílias, por que ensinar apenas contos estrangeiros, de cinderelas e belas adormecidas, se temos Saci, Curupira e Caipora, se o Brasil está repleto de seres encantados com o nosso folclore e histórias ou estórias que contemplam nossa cultura. O que Ruth faz é um chamado para que olhemos para dentro, de nós e dos nossos, com uma literatura contra hegemônica, pois fala do povo e para o povo. 

Em 2008 entrou na Academia Paulista de Letras, um devido reconhecimento e de fundamental importância, não só por quem e sobre quem e o que Ruth escrevia, mas também pelas cadeiras da academia serem ocupadas histórica e majoritariamente por homens. Foi uma mulher negra, caipira e de origem pobre ocupando um espaço que para muitas é negado. 

Ruth Guimarães faleceu dia 21 de maio de 2014. O Instituto Ruth Guimarães foi criado para manter viva sua memória e herança literária, além de promover discussões e disseminações da arte em geral.

Visibilidade e protagonismo feminino na arte

Nossa sociedade é marcada estruturalmente pelo patriarcado, que utiliza de estratégias sutis de invisibilidade, entretanto as mulheres, em todos os campos, sobretudo na arte, são cada vez mais ativas na produção artística, e suas obras estão sendo progressivamente reconhecidas e estudadas. 

O retrato, em stencil, dessas mulheres protagonistas nas áreas artísticas que atuam, tem uma potência estética e de motivação,  por considerar a pluralidade de vivências e trajetórias, a diversidade etária, os locais geográficos de nascimento e/ou atuação das artistas, as pautas que elas defendem e o impacto positivo de suas obras e criações,além de contribuir com ações afirmativas de combate às discriminações étnicas, raciais, de gênero e orientação sexual, à luz das vivências das artistas  retratadas e dos temas abordados por elas em suas artes.

Arte Urbana

Entendemos que a arte possui um grande potencial transformador, além de aproximar as pessoas, é um canal de expressão de narrativas por meio de infinitas linguagens. A arte tem não só o poder de narrar fatos, como de expandir histórias, ampliar alcances e possibilidades de ressignificação. A arte urbana, é um importante patrimônio artístico e cultural e traz em seu histórico de manifestações e ocupações das ruas a potência de democratizar o acesso aos bens culturais e desempenha um papel de conscientização e cidadania, por isso o retrato em stencil das mulheres homenageadas irão estampar os muros do interior oeste paulista. Serão 03 murais de graffiti com 20 m² cada confeccionados a partir da técnica do stencil.

Stencil Art

O stencil art é a principal técnica artística utilizada para confecção dos murais no projeto AquarEllas. Por se tratar de um método minucioso, no qual o estilete encontra todas as linhas da imagem, a produção da obra contará com meses de preparação, pois utilizaremos vários moldes de stencil para cada mural.

Circulação no interior

Uma característica importante do projeto é a itinerância, e a regionalização da produção cultural e artística, descentralizando as ações dos grandes centros, por isso iremos circular em 03 cidades do interior oeste paulista. 

As oficinas de stencil art e a construção dos murais de arte urbana serão realizadas em Assis, Marília e Presidente Prudente.

Caráter formativo e multiplicador

O projeto AquarEllas possui caráter formativo e multiplicador pois prevê a partilha da técnica utilizada nas obras: o stencil art.

Realizaremos as oficinas nas cidades onde serão confeccionados os murais de graffiti e pretendemos apresentar a técnica como ferramenta para expressão de ideias, incentivar os participantes a se aproximarem do fazer artístico e se apropriarem dessa arte de rápida aplicação, baixo custo e simples execução. 

Espera-se que a atividade facilite a partilha de possibilidades de criação, sobretudo para pessoas que não possuem habilidades com desenho e incentive a busca de informações e produção a partir da técnica do Stencil, explorando possibilidades de apropriação do espaço público.

Intervenção em Marília

Oficina em Assis

Intervenção em Assis

Intervenção em Presidente Prudente

Evento de Encerramento

Apresentação da equipe

A proposta é produzida e executada majoritariamente por mulheres residentes ou nascidas no interior do estado de São Paulo. Conheça quem está construindo esse projeto:

Yasmin Alves

Designer, artista visual e oficineira. 

Jaque Alves

Produtora e Oficineira.

Patrícia França

Video Maker.

Paula Mello

Fotógrafa.

Inês Monique

Autora das Biografias.

Caráter formativo e multiplicador